segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

ELE É ASSIM...



QUE NINGUÉM GOSTA que os outros falem da sua vida privada e tornem públicas situações que só dizem respeito ao próprios, isso é o mais natural deste mundo. Mas, como diz o povo, quem anda à chuva molha-se e se não quer ser salpicado por essa água o que tem a fazer é não sair de casa quando o mau tempo faz a sua aparição.
Por outras palavras: se o Manuel do talho só canta nos fundos da sua loja e não faz demonstrações públicas daquilo que entoa, ninguém tem o direito de criticar se canta bem ou mal, é lá com ele; agora, se o mesmo Manuel do talho resolve abrir a porta do seu estabelecimento e se põe aos gritos a dar mostras da sua voz para que toda a rua o oiça, nesse caso fica sujeito a que haja pessoal que se revolte e que exija que se cale, porque não gosta, fazendo críticas severas ao seu procedimento.
Escrevo isto para fazer a comparação com o caso José Sócrates. Parece pouco esclarecedor mas, no fundo, não é tanto. Se o primeiro-ministro tem tanta aversão à comunicação social e se até poderá ter alguma razão no que diz respeito a certa pouca ética que se verifica em determinados casos concretos, na sua posição de chefe de um Governo não pode, nem deve, enfrentar a classe, pois as suas funções são outras e inegavelmente muito mais importantes do que fiscalizar o comportamento das televisões e dos jornais. Se não está nem nunca esteve disposto a não se melindrar com as opiniões dos que, na actual Imprensa, seja ela escrita ou falada, então não teria concorrido ao lugar que ocupa, fosse com maioria absoluta ou só relativa, a menos que tivesse esperanças de actuar em regime de força, com domínio total e com uma maioria confortável.
Porém, as circunstâncias políticas em que vivemos não lhe dão essa possibilidade. E ainda bem, digo eu. Logo, perante o desconforto que José Sócrates sente perante os casos em que se julga atingido por críticas que ele próprio interpreta como injustas, aquilo a que deita a mão, não medindo o limite a que está sujeito, é o utilizar o pouco poder de que dispõe e, procurando não olhar a meios, seguir vias antidemocráticas, tudo fazendo para arredar do seu caminho essas incomodidades, não hesitando em servir-se também de ajudas que sempre tem, dada a posição privilegiada de que goza, de elementos que não hesitam em servir o poder a troco de qualquer benesse. E casos desses têm-se visto com fartura.
A pouco e pouco a situação no nosso ambiente governamental foi-se agravando e, como é natural, a imagem do primeiro-ministro é a que sai, em primeiro lugar, mais mal tratada no conjunto de figuras que se encontram relacionadas com os problemas mais sérios do dia-a-dia actual. Nem podia ser de outra maneira. E aqui volto a referir a comparação, mesmo desfigurada, com o Manuel do talho que desatou a cantar à porta da loja. Ninguém o mandou exercer esse papel e se o fez não se pode queixar de haver quem não goste e o diga claramente. Tem de suportar.
Mas não há nada a fazer em relação ao José Sócrates. Ele é assim e, no nosso País, verdade seja dita, não se encontra sozinho. É um feitiozinho bem português, em que queremos dar nas vistas, mas não aceitamos que haja quem não pense de igual modo como nós o fazemos de nós próprios. A Democracia enche-nos a boca. Todos, logo no dia a seguir ao 25 de Abril, saímos à rua a proclamar a nossa condição de autênticos democratas … de sempre! Ninguém foi capaz de assimilar modestamente que essa atitude de saber ouvir os outros, de não nos considerarmos como tendo sempre razão, de não insistirmos para que os outros concordem connosco, de aceitar que a nossa juventude de hoje ainda tem muito que aprender para que, daqui a três gerações, talvez nos possamos gabar de que a Democracia se encontra já a ser uma prática natural dos portugueses, disso estamos laionda bem longe de poder encarar tal realidade.
E este José Sócrates, que não teve bastante vida anterior à Revolução que lhe possa dar uma ideia clara da diferença entre as duas situações, não estando também muito bem acompanhado, talvez porque nem isso lhe interesse excessivamente pois que a adulação ao redor de certa gente é uma espécie de medicina para lhe dar força, não admira que não esteja em muito boas condições para exercer um lugar que requer, para além de competência, bom senso, saber e outras características em que não deve faltar uma dose apreciável de humildade.
Mas isso é coisa que não sai apenas das eleições, dado que o essencial é que os proponentes a determinados lugares se sintam preparados para disputá-los. E não é de esperar que o ser humano, na sua ânsia de ser sempre aquele que está acima dos outros, seja capaz de fazer tão importante exame de consciência.
Parece-me que disse tudo!

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