sábado, 6 de setembro de 2008

DESENCANTO... POR ENQUANTO!


Passou agora mesmo um enterro, Vai a caminho do cemitério dos Prazeres. Uma fila enorme de automóveis segue lentamente o carro funerário. Não há pressas de depositar o defunto. A caravana é composta, para além da carreta propriamente dita que, por sua vez, também comporta os familiares mais chegados, que se distinguem pelo seu ar nitidamente pesaroso, de uma fila grande de automóveis que, através da análise dos seus ocupantes, se pode perceber se serão acompanhantes muito próximos ao féretro ou se cumprem somente uma missão de cortesia. Dá para fazer esse exercício de apreciação e imaginar o espírito com que fazem parte do cortejo. Desde os lamuriosos até aos desprendidos. Alguns em mangas de camisa a conduzir e com gravata pronta a ser substituída pela do trabalho, que é para onde têm de ir logo que terminem as despedidas de pêsames.
As mulheres são mais subtis. Já que tiveram de se arranjar de propósito para o acontecimento. Talvez conservem a vestimenta todo o dia. Afinal nem é traje a rigor, pois serve para outras circunstâncias, mesmo para cumprir os seus afazeres profissionais.
Quando é o patrão ou um seu familiar que morre, os colaboradores não têm mais remédio que não seja dar mostras de que estão pesarosos. Nunca se sabe o que vai passar-se com o emprego. É conveniente manter um bom contacto com os que ficam.
Isto da morte dos outros tem que se lhe diga. E quando lemos na necrologia dos jornais que alguém que sabemos quem é se passou, só nos ocorre esta interjeição: “ Olha este!...” E corre-nos um arrepio pela espinha. “Coitado, ainda há dias o vi! E parecia tão bem!...”
Raramente alguém que morre foi um malandro em vida. No fundo, no fundo não era má pessoa! É o que dizem os que ficam, com alguma esperança de que não seja maltratada a sua memória pelos que se irão despedir quando chegar a sua hora.
Aqueles que partem deixando valores, enquanto cá estão têm a preocupação de que os herdeiros, naturais ou indicados em testamento, não se guerreiem quanto à legitimidade da posse dos haveres. Ou sucederá até o contrário. Quem sabe quantas escrituras testamenteiras não serão feitas a pensar no gozo da surpresa que surgirá no momento da leitura das decisões do parente que partiu! Às vezes, por uma terrina ou uns simples talheres de prata corta relações uma parte da família…
Eu, quando morrer, quero ser cremado. Assusta-me a ideia de ficar entaipado sob pazadas de terra. É disparate, bem sei, mas prefiro que o fogo cumpra a sua missão: queime, faça em cinzas o que também veio do nada. Também deixo espaço ao que se segue e, sobretudo, retiro aos outros o trabalho de irem pôr flores numa cova. Ao princípio ainda serão frescas mas, com o passar dos dias e dos meses – e não é preciso serem longos -, o florido em vasos limpos e arranjados transforma-se em ramos secos em canecos partidos.
Morreu, esqueceu. É tudo uma questão de tempo. E quanto a missas, salta-se da marcação em data fixa, ainda com alguma assistência, para uma espécie de assinatura feita com a Igreja., em que o padre garante não se esquecer de incluir o nome do falecido numa lista dos recomendados ao Céu. E basta.
Os famosos, por terem feito obra boa, uns e, pelo contrário, terem ficado na memória por se terem portado mal com a humanidade, esses, têm sempre seguidores e lá conseguem que o seu nome fique inscrito numa rua, numa avenida ou numa estátua, maior ou menor segundo a influência dos seus admiradores. Alguém tem dúvidas de que Hitler não é lembrado com saudades por alguns que continuam a venerá-lo?
Sendo assim, talvez seja preferível passar despercebido. E, quanto a isso, eu estou descansado.

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