sexta-feira, 6 de junho de 2008

MANUEL ALEGRE



Há situações que levam anos até serem contadas e às vezes acabam por ficar esquecidas no tempo sem nunca surgirem à luz do conhecimento alheio. Também, verdade seja, um grande número desses episódios nem merecem passar do meio onde os mesmos ocorreram. Eu que possuo um manancial de histórias que, pelo menos a mim, me marcaram profundamente, por vezes sou tentado a trazê-las à flor da divulgação. Mas, pensando bem, acabo por não passar ao papel aquilo que me pergunto se, de facto, tais matérias interessarão assim a tanta gente. E acabo por voltar a fazer recolher ao baú das memórias os acontecimentos que, também na verdade, um grande número de gente de hoje nem sequer é capaz de relacionar os intervenientes das historietas com as curiosidades que tiveram lugar em certa altura passada.
Mas hoje, perante a ocorrência que tem sido tão divulgada, do comício que juntou Manuel Alegre a Francisco Louçã, sou levada a não prolongar o perído de escuridão do facto que me inquietou em determinada altura dos inícios da Revolução, mas que, passado todo este tempo, até considero merecer alguma graça.
Devo esclarecer, antes de tudo, que considero o poeta uma personalidade merecedora de toda a minha consideração como intelectual, do maior respeito como homem sério e capaz de levar as suas convicções políticas na direcção do objectivo que o tem orientado e, por fim, um seguro cumpridor dos princípios que defende, os quais nunca o fizeram desviar na busca de posições pesoais mais cómodas (aquela da aspiração à Presidência da República foi uma diletância que muitos têm!). O que não quer dizer que tenha estado completamente de acordo com as formas que tem utilizado para levar a sua àvante.
Esta agora, por exemplo, de ter escolhido o Bloco de Esquerda como apoio para fazer o apelo de "uma maior igualdade social e melhor democracia", que tanta falta fazem em Portugal - estou de acordo -, sobretudo numa fase como a actual em que o Partido Socialista tem vindo a demonstrar um desvio nos princípios de um socialismo democrático que estava nas origens da sua fundação, ter Manuel Alegre mostrado agora necessidade de um ombro do tipo do de Louçã - também excelente cabeça pensante, apoio, mas por vias que não conduzem, a meu ver, para uma união de forças que ltransportem o nosso País para o caminho do progresso (mais tarde explicarei isto com mais pormenor) - esse passo é que não me parece ter sido dado com coerência política maduramente pensada.
Mas a história curiosa que eu tenho retido comigo e que envolve Alegre como protagonista principal, essa julgo que, por o não prejudicar minimamente, poder ser dada a conhecer para além da intimidade que apenas nos envolvia os dois mais Mário Soares.
Era, então, eu director do semanário "o País" e tinha lançado aquele Jornal com a pureza de intenções de manter uma publicação com absoluta independência de ideologias políticas, o que parecia, naquele período logo a seguir ao 25 de Abril, ser o ideal para lançar e estabilizar uma democracia pura de que tanto se necessitava por cás, depois do horroroso período do salazarismo perseguidor dos que não pensassem livremente.
Em "O País" tinha instituido duas colunas, a da Esquerda e a da Direita. Para ocuparem a primeira faziam parte as colaborações de Fernando Piteira Santos, Mauel Alegre e Jaime Gama que, todas as semanas, debitavam alí os seus pontos d vista. Na coluna da Direita participavam Henrique Mendes e Artur Agostinho, ambos já imigrados na Amércia. E assim, parece que com agrado do públio, lá iam correndo as coisas,
Até que um dia, por sinal, na data em que se inaugurou o palácio do Rato com a instalação do PS naquelas instalações, estava eu em conversa com Soares e ouve-se um grito largado do fundo da sala, com aquele vozeirão tão característico do Manuel Alegre, com a seguinte frese: "Oh JOsé Vacondeus, você tem de escolher; ou quer contar com a minha colaboração do seu Jornal ou acaba com com aqueles dois fascistas que você lá acolhe!..."
Ainda guardo uma fotografia do momento em que tal imperativo me foi imposto. Conversava eu com Soares e estava com um copo na mão.Não o deixei cair, olhei para o meu interlocutor próximo e respondi-lhe: "Oh Manuel, isso é muito fácil. Mantenho os fascistas!..." E ficámos todos mudos, incluindo o Mário Soares que, bastante esquecido como costuma ser, provavelmente não lhe vem à memória esta cena.
Passaram-sevários anos. Julgo que trinta. E um dia, num outro cocktail, desta vez num lançamento de um livro, ficámos frente-a-frentem Alegre e eu. E veio a propósito. Perguntei-lhe então: "Oh Manel. Você ainda tem presente aquela cena ocorrida comigo? Mostroou completa ignorância. "Cena?"Fui obtrigdo a relatar-lhe a ocorrência, essa que, por muitos anos que eu viva não me sai nunca da cabeça.
"Mas eu fiz iso?" - Tive de lhe referir pormenores. Mas parece ter acabado por acreditar.
E assim se deu por fim a um sucedido que, ainda bem que houve ocasião para, frente-frente, termos chamado um acontecimento que manchava a boa ideia que eu queria manter sobre um Homem que se chama Manuel Alegre.
E, a propósito do Homem que, lá em Alger, viu um dia passar o vento e lhe pediu notícias de Portugal, deixem-me contar outra história de que também fui protagonista. Virá a seguir.

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