Os princípios da minha vida de trabalhador-estudante, que nessa altura não tinha essa designação tão pomposa, passaram-se sempre à volta da rua Garrett, de Lisboa, por razões logísticas. E foi no extinto Café Chiado, engolido por uma empresa de seguros na voragem da ocupação de lugares com história, que, nas suas cadeiras de verga, passei muitos momentos da minha juventude, primeiro a estudar e depois a conviver, a sonhar e a produzir textos.
Também comecei aí a fumar. Na tabacaria existente à porta do local, por ver os outros também passei a comprar os meus cigarros. Já estava a funcionar o espírito de imitação que envolve os jovens… do qual me libertei bastantes anos mais tarde. Conforme comecei, assim acabei.
Os meus contactos sempre foram com gente mais velha e, também por isso, mais sabedora. A preocupação de não andar longe desse tipo de pessoas que, ao princípio, só via de longe, até que me comecei a roçar por elas no café e fui integrado nas suas mesas, essa ânsia terminou com vê-las sentadas à minha volta sempre que eu chegava primeiro. Depressa compreendi que o truque de ser aceite por gente muito mais velha do que eu era o saber ouvir e de falar apenas quando era necessário marcar presença. Ouvir, ouvir muito e bem e filtrar o que valia a pena, o que faço ainda hoje e será por isso que dizem que ouvem pouco a minha voz. De vez enquanto intervir com o maior cuidado, para não destoar do nível da conversação.
Assim fui levando a minha juventude até que, nem me lembro como nem porquê, mas julgo que pesou na decisão o facto de me entender bem com a língua francesa, foi na Livraria Bertrand que caí, por volta dos dezoito anos. E aí, tendo sido enfiado na secção de publicações estrangeiras, o meu contacto permanente com jornais e revistas de todo o mundo e, nos momentos em que podia fugir para o espaço da livraria propriamente dita, fazia o desvio para o mundo dos livros, essa zona tão cativante onde, sob o cheiro peculiar que exalam, era tentado a desfolhar obras novas, a ler passagens de autores preferidos, a gozar o silêncio das estantes atafulhadas, pois foi nesse mundo embriagante que se criou a pessoa que sou hoje. Para o bem e para o mal.
Talvez tenha sido a paixão que outros veriam nos meus olhos ao ladear as prateleiras à busca de algo ainda não conhecido por ter acabado de chegar, terá sido isso que despertou em alguns escritores que faziam daquele local um ponto de encontro e de tertúlia o interesse em conhecer melhor o rapaz que por ali aparecia. E entrei assim, pela porta dos fundos, num grupo que foi marcando a minha personalidade dentro do mundo das letras.
No meio de todo o enevoado de acontecimentos que presenciei ou de que fui parte, muita coisa ficou pelo caminho. Não me lembro. Talvez nem faça grande esforço para trazer à memória muitos dos acontecimentos de que fui parceiro, quantas vezes sem ter feito nada para isso. Foram, pois, aquelas figuras as que me levaram ao Café Chiado, o meu bem conhecido e a que me refiro um pouco atrás e em que as via percorrer o passeio em frente, foi com esses “monstros” das letras portuguesas com que eu passei a conviver.
Ali, como mais acima na Brasileira ou, mais recatadamente, um pouco abaixo na leitaria Garrett, conforme era do gosto dos parceiros ou as conveniências das companhias o indicavam que se ia tomar a nossa “bica”. E eu a escutar. Foram convívios marcantes, de que se sobressaíam sobretudo Aquilino Ribeiro e Gaspar Simões, entre outros.
Por essa altura e logo após ter ficado isento do serviço militar, por intermédio de uma personalidade marcante da minha juventude, o algarvio Roberto Nobre, fui incluído numa tertúlia semanal que se realizava numa leitaria existente na avenida da Liberdade, não me lembro do nome, do outro lado da antiga Bijou, em que compareciam Ferreira de Castro, Assis Esperança, e Fernando Santos.
Refiro-me a tudo isto um pouco para endossar responsabilidades. Foi devido a essas companhias que entrei no mundo da reflexão, do pensar antes de falar, de ter sempre a sensação de que o que vou dizer não tem grande importância pelo que é preferível ficar calado. Vem daí o meu receio de fazer má figura.
Feito este retrato, entendo que não devo referir-me mais a mim. Sou o que sou. Tenho a importância que tenho. O que escrevo só interessa a mim próprio. O valioso é analisar o mundo, ver como se comporta esse enxame de gente no seu conjunto ou uma a uma quando se isola. Quanto a mim, as circunstâncias foram-me favoráveis, mas não tenho porquê escondê-lo, aproveitei convenientemente as oportunidades que me calharam. Só lamento que, passados tantos anos, esteja eu aqui a recordar um passado e, de todos os intervenientes, só reste esta tão pouco brilhante criatura. O que daria eu para, ao menos uma vez, poder refazer esses vários conjuntos de figuras que deliciavam os meus ouvidos com frases, contextos, descrições que se perderam como desapareceram também as tertúlias de gente sabedora.
Também comecei aí a fumar. Na tabacaria existente à porta do local, por ver os outros também passei a comprar os meus cigarros. Já estava a funcionar o espírito de imitação que envolve os jovens… do qual me libertei bastantes anos mais tarde. Conforme comecei, assim acabei.
Os meus contactos sempre foram com gente mais velha e, também por isso, mais sabedora. A preocupação de não andar longe desse tipo de pessoas que, ao princípio, só via de longe, até que me comecei a roçar por elas no café e fui integrado nas suas mesas, essa ânsia terminou com vê-las sentadas à minha volta sempre que eu chegava primeiro. Depressa compreendi que o truque de ser aceite por gente muito mais velha do que eu era o saber ouvir e de falar apenas quando era necessário marcar presença. Ouvir, ouvir muito e bem e filtrar o que valia a pena, o que faço ainda hoje e será por isso que dizem que ouvem pouco a minha voz. De vez enquanto intervir com o maior cuidado, para não destoar do nível da conversação.
Assim fui levando a minha juventude até que, nem me lembro como nem porquê, mas julgo que pesou na decisão o facto de me entender bem com a língua francesa, foi na Livraria Bertrand que caí, por volta dos dezoito anos. E aí, tendo sido enfiado na secção de publicações estrangeiras, o meu contacto permanente com jornais e revistas de todo o mundo e, nos momentos em que podia fugir para o espaço da livraria propriamente dita, fazia o desvio para o mundo dos livros, essa zona tão cativante onde, sob o cheiro peculiar que exalam, era tentado a desfolhar obras novas, a ler passagens de autores preferidos, a gozar o silêncio das estantes atafulhadas, pois foi nesse mundo embriagante que se criou a pessoa que sou hoje. Para o bem e para o mal.
Talvez tenha sido a paixão que outros veriam nos meus olhos ao ladear as prateleiras à busca de algo ainda não conhecido por ter acabado de chegar, terá sido isso que despertou em alguns escritores que faziam daquele local um ponto de encontro e de tertúlia o interesse em conhecer melhor o rapaz que por ali aparecia. E entrei assim, pela porta dos fundos, num grupo que foi marcando a minha personalidade dentro do mundo das letras.
No meio de todo o enevoado de acontecimentos que presenciei ou de que fui parte, muita coisa ficou pelo caminho. Não me lembro. Talvez nem faça grande esforço para trazer à memória muitos dos acontecimentos de que fui parceiro, quantas vezes sem ter feito nada para isso. Foram, pois, aquelas figuras as que me levaram ao Café Chiado, o meu bem conhecido e a que me refiro um pouco atrás e em que as via percorrer o passeio em frente, foi com esses “monstros” das letras portuguesas com que eu passei a conviver.
Ali, como mais acima na Brasileira ou, mais recatadamente, um pouco abaixo na leitaria Garrett, conforme era do gosto dos parceiros ou as conveniências das companhias o indicavam que se ia tomar a nossa “bica”. E eu a escutar. Foram convívios marcantes, de que se sobressaíam sobretudo Aquilino Ribeiro e Gaspar Simões, entre outros.
Por essa altura e logo após ter ficado isento do serviço militar, por intermédio de uma personalidade marcante da minha juventude, o algarvio Roberto Nobre, fui incluído numa tertúlia semanal que se realizava numa leitaria existente na avenida da Liberdade, não me lembro do nome, do outro lado da antiga Bijou, em que compareciam Ferreira de Castro, Assis Esperança, e Fernando Santos.
Refiro-me a tudo isto um pouco para endossar responsabilidades. Foi devido a essas companhias que entrei no mundo da reflexão, do pensar antes de falar, de ter sempre a sensação de que o que vou dizer não tem grande importância pelo que é preferível ficar calado. Vem daí o meu receio de fazer má figura.
Feito este retrato, entendo que não devo referir-me mais a mim. Sou o que sou. Tenho a importância que tenho. O que escrevo só interessa a mim próprio. O valioso é analisar o mundo, ver como se comporta esse enxame de gente no seu conjunto ou uma a uma quando se isola. Quanto a mim, as circunstâncias foram-me favoráveis, mas não tenho porquê escondê-lo, aproveitei convenientemente as oportunidades que me calharam. Só lamento que, passados tantos anos, esteja eu aqui a recordar um passado e, de todos os intervenientes, só reste esta tão pouco brilhante criatura. O que daria eu para, ao menos uma vez, poder refazer esses vários conjuntos de figuras que deliciavam os meus ouvidos com frases, contextos, descrições que se perderam como desapareceram também as tertúlias de gente sabedora.
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