Concluída a minha actuação em Angola e acabado de chegar a Moçambique disposto a preparar o número dedicado àquela antiga colónia, recebi um telegrama do Rui Neves pedindo-me para regressar urgentemente, visto haver graves problemas com a Censura, a quem tinham sido enviadas, como era obrigatório, as provas tipográficas antes de serem impressas. Não tive outra alternativa que não fosse aproveitar o bilhete da Sabena e chegar a Lisboa de imediato. De coração nas mãos!
O que se tratava era que a Censura, seguramente já arrependida de ter dado autorização para a publicação do “Mundo Financeiro”, de 96 páginas sobre Angola redigidas e compostas tinha cortado mais de 80 e obrigava a refazer todos os textos.
Ao chegar a Lisboa, ao mesmo tempo que resolvia o problema provocado pela Censura, fiz questão, como tomara o compromisso, de entregar pessoalmente na rua da Imprensa, na residência do Salazar, o pesado saco com o “presente” da Cela. Foi um erro que me custou caro!
Quanto a essa edição do “Mundo Financeiro”, depois dos cortes que fui obrigado a fazer, lá foi distribuído o número e os leitores que não sabiam aquilo que poderiam ler e não lhes foi permitido nem deram por isso.
Não passou, porém, muito tempo para receber da Censura a notificação de que a revista ficava impedida de voltar a sair. Foi nessa altura que o Rui Neves resolveu desaparecer de vez, enviando-me uma carta a dizer que, “por razões particulares”, tinha resolvido ir viver para Espanha. Imagino que tenha sido por não aguentar a pressão e o perigo que se avolumava. Nunca mais o vi até hoje!... Por meu lado, foi-me retirada a carteira profissional de jornalista, impedindo-me de exercer aquela profissão, tanto mais que os jornais da altura, na sua maioria, estavam subjugados ao poder político existente. Pior, porém, que tudo isso - e já era muito! -, foi o facto da PIDE ter decidido "pôr um travão nas aventuras do reviralhista" (expressão que me foi dita quando me encontrava nos interrogatórios na rua António Maria Cardoso), pelo que surgiram quatro polícias do Estado no escritório do largo do Andaluz que me levaram sob custódia para a sede daquela tenebrosa organização. Lá fiquei dez dias, sem direito a advogado nem a defesa. Também não dei conta a ninguém dessa situação, pois o que me preocupava era que a minha Mãe não tivesse esse desgosto.
Voltava, por todos esses motivos, de novo à estaca zero. E foi nessa altura que me surgiu a ideia de seguir um exemplo que tinha visto em Espanha, e que consistia na edição em Portugal de um denominado “Fichero de Cargos Oficiales”. Criei, assim, o “Ficheiro de Cargos e Organismos Oficiais”, que consistia num ficheiro, fornecido por assinatura às empresas e em que, todos os meses, as fichas que registavam alterações nos nomes ou nos cargos oficiais criados substituíam as existentes. Montei a máquina de vendas e de angariação de assinaturas e o resultado que se obteve foi muito animador, ao ponto de se poderem continuar a manter os encargos mensais.
Perante o relativo sucesso, para aproveitar os funcionários entretanto admitidos, lancei, passados uns meses, o “Ficheiro das Grandes Empresas”, que era baseado no mesmo princípio do outro e que também se destinava a ser vendido por assinaturas. Embora sem a mesma expansão do Ficheiro inicial, a iniciativa foi possível manter.
Chegado a 1962, foi então que resolvi pôr de pé uma ideia que acalentava há tempos de escrever uma peça de teatro, tendo como pano de fundo a questão, tão em voga na altura, das terríveis consequências de uma eventual ataque com a bomba atómica, Recorrendo a três ou quatro fins de semana passados no Hotel Vale de Lobos, isolando-me, consegui pôr de pé a obra que intitulei “E o mundo, indiferente, continua rodando...”.
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